Simulação de Julgamento

João Recruta, sargento do exército, foi punido, na sequência de procedimento disciplinar, com a pena de 5 dias de detenção, por ter participado numa manifestação contra as políticas do Governo de alteração do sistema de saúde e de segurança social dos militares. Inconformado com a decisão, João Recruta apresentou pedido de impugnação da pena que lhe foi aplicada, assim como requer a respectiva suspensão, junto dos Tribunais Administrativos, alegando que não estava a «participar numa manifestação ilegal, mas apenas a passear num local público» e que «por ser militar não deixa de ser também cidadão, não estando por isso impedido de discordar de decisões dos "políticos" atentatórias da "condição militar"». Por seu lado, José Rígido, autor da punição contestada, contrapõe que «os Tribunais Administrativos não possuem competência para se imiscuir em questões do estrito foro militar, e que as decisões das legítimas hierárquicas militares, nomeadamente em matéria disciplinar, não são susceptíveis de controlo jurisdicional, sob pena de criação de situações inadmissíveis de sublevação e de insurreição». Quid Iuris?

terça-feira, maio 01, 2007

A legitimidade activa: o busílis da questão

No artigo 9º do CPTA, que se refere à legitimidade activa no contencioso administrativo, foi adoptada a técnica do legislador do Código de Processo Civil, nomeadamente nos artigos 26º e 26º-A, reunindo num único artigo as duas possibilidades delegitimidade directa - "a pertinência da relação jurídica administrativa para as acções de função objectiva (nº1) e a titularidade de um interesse difuso no que se refere à acção popular (nº2)"*. Comparativamente à lei processual civil, este artigo 9º é bastante menos amplo, uma vez que apenas identifica como parte legítima o sujeito da relação jurídica.

A velha discussão doutrinária sobre o critério da legitimidade activa é agora resolvido neste artigo do CPTA, determinando que esta é aferida pela relação jurídica controvertida "tal como é apresentada pelo autor".

Quando é definido como parte legítima o autor "que alegue ser parte na relação material controvertida", é evidenciado, claramente, pelo legislador, a intenção de construir todo o contencioso administrativo em torno da figura da relação jurídica, afastando qualquer construção assente numa restrição de direitos processuais, no seu relacionamento com a administração, alargando ao menos tempo a protecção de terceiros.




* Cfr. Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E OUTROS, artigo 9º
Vide também VASCO PEREIRA DA SILVA, O contencioso administrativo no divã da psicanálise, págs. 233 ss.

3 comentários:

salvador disse...

O artigo 9 nº1 por um lado consagra uma regra geral e por outro lado admite extenções de legitimidade no nº2 e 40 CPTA etc. Pode se até dizer que há deferenças com as regras de legitimidade no CPC e uma preocupação de delimitar o contencioso às relações entre as partes mas também tem que se admitir que o Contencioso administrativo tem as suas especificidade(ex:legitimidade quanto a acções relativas a contratos, AA especial etc.
Qualquer pessoa hoje pode dirigir as suas pretenções aos tribunais administrativos por meios necessários e diversificados regulados no CPTA e assim não consubstanciando numa total ou manifesta desproteção dos lesados ou interessados na acção.

La Bohemia disse...

Clarificação: a premissa que presumivelmente se pretendeu contraditar não requer infirmação porquanto não afirmada.

"Quod non est in actis, non est in mundo"

Como resulta de forma assaz evidente, afirmar que a actual redacção do CPTA procura aproximar o regime jurídico-administrativo adjectivo do constante da legislação processual civil não implica a conclusão - precipitada - no sentido de verificar-se uma mera adaptação mutatis mutandis deste último ao primeiro.

Sofia Paramés disse...

Penso que também ajudará na compreensão desta troca de ideias a leitura de um Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte(disponível em www.dgsi.pt - Processo:00482/04.1BEBRG, de 03-05-2007), do qual deixo o sumário:

I. Decorre do CPTA que fora dos casos de acção popular para defesa de interesses difusos [artigo 9º nº2], e com excepção do especialmente previsto para as acções de simples apreciação [artigo 39º] e para as acções relativas a contratos [artigo 40º], a legitimidade processual nas acções administrativas comuns é aferida pela titularidade da relação material controvertida tal como alegada pelo autor [artigo 9º nº1];

II. Todavia, e por força da sua conjugação com o princípio da tutela jurisdicional efectiva, esta regra geral é susceptível de interpretação extensiva, de modo a nela caberem os terceiros titulares de relações jurídicas trilaterais ou multipolares, como poderá ser o caso do participante de situação ilegal que acaba por conduzir ao despejo administrativo de determinado prédio;

III. O proprietário deste prédio, onde funciona o estabelecimento comercial cujo despejo administrativo foi ordenado, e que não foi o participante da situação, não tem legitimidade para, em acção administrativa comum, vir pedir a condenação do respectivo município a efectivar o despejo ordenado.